terça-feira, fevereiro 20, 2007 

1. Preço dos dólares num continente chamado África

“O ‘boom’ do petróleo criou uma mentalidade nos governantes de que eles não precisam de desenvolver uma economia diversificada”, diz E.J. Alagoa, um historiador reformado da Universidade de Port Harcout à Pública na edição de 18 Fevereiro.

Com o mundo cada vez mais dependente do “ouro negro”, a descoberta de poços de petróleo em solo nacional cria sempre grandes expectativas às populações locais na esperança de que os rendimentos provenientes da exportação do petróleo venham a beneficiar de maneira geral a economia nacional. No entanto, essas expectativas não passam disso mesmo: esperanças com pernas curtas.
A Nigéria é um dos exemplos que a pouco e pouco se vem tornando num poço desejado pelas grandes petrolíferas internacionais enquanto que a população começa “a ver o petróleo mais como uma maldição que uma bênção”. Responsável de 3/4 das receitas governamentais do pais, segundo dados do Banco Mundial, a Nigéria extrai petróleo à 50 anos e, pouco ou em nada, têm contribuído as petrolíferas multinacionais da Agip, Royal Dutch Shell, Chevron, Exxon Móbil e outras que exploram esta matéria-prima no país, para melhorar as condições de vida dos locais. Muitos acusam-nas das grandes catástrofes ambientais provocadas nas regiões em que são feitas as explorações petrolíferas. Afectando campos de cultivo, rios e bacias hidrográficas, muito se tem feito em prol de fortunas que apenas seguem no sentido ascendente do globo em direcção aos cofres destas empresas.
Casos de epidemias e de crimes ambientais são ocorrência comum no delta do rio Níger. Na região mais populosa de África, concentrando mais de 20 milhões de pessoas e a maior parte do petróleo, muitos Nigerianos bebem e tomam banho diariamente da água do Níger que foi alvo de sete derrames em três anos, enquanto que a Shell adopta uma atitude cínica quanto ao assunto e, refere que “mais de metade dos 224 derrames ocorridos e de 94 por cento dos 12 mil barris que se perderam foram da responsabilidade de sabotadores”.
Muitos estudos têm mostrado que a exploração e a extracção de petróleo nas regiões mais desfavorecidas do planeta apenas trazem ainda mais miséria. A promessa de melhores salários atrai os mais pobres que rapidamente abandonam as suas terras e as suas actividades para se tornarem operários. Fazendo com que esses países fiquem à mercê do poder do dólar. É o que acontece com Angola e Nigéria. Segundo os especialistas, “quase toda a reserva nigeriana de 36 biliões de barris continua debaixo dos pântanos ou mais a sul, no Golfo da Guiné. A este ritmo, vai levar cerca de 40 anos a extraí-lo todo”, revela o jornalista Scott Calvert à revista Pública.
Com os bolsos cheios de petrodólares e com ‘plafons’ inesgotáveis nos seus platinados cartões de crédito, quatro ou cinco governadores destes países passeiam-se pelos Champs-Elysées e pela 5th Avenue distraindo-se a estoirarem milhares de fortunas em sapatos e malas enquanto que a população tenta sobreviver diariamente com menos de um dólar por dia.
Nos “entretantos” temos a comunidade internacional a olhar com naturalidade para esta realidade e a lamentar-se da situação. Prefere antes centrar-se nas taxas de crescimento esperada em 2007 para África de mais de seis por cento, enquanto vira os olhos e tapa os ouvidos às denúncias feitas pela ONU para os sinais de genocídio no Chade em que o produto interno bruto por cada Chadiano nem sequer chega a ser o vigésimo de um Finlandês ou a um Irlandês.
Olhando para este cenário de miséria misturada com milhões de dólares, a guerra é um fenómeno incontornável. Um barril de pólvora pronto a estoirar. Enquanto isto acontece do outro lado do hemisfério, nós ficamos como meros espectadores a visionar um filme que já sabemos o seu final. Impávidos e serenos lamentamo-nos deste espectáculo enquanto milhares e milhares de vidas desaparecem do dia para noite à velocidade a que resolvemos os nossos problemas que não passam de meras gotas ao lado de um imenso mar como este, que caminha a passos largos para um abismo e encarado como um problema sem solução. Será mesmo? Eu recuso-me a acreditar que se trata de uma causa perdida e que muito, todos nós, podemos fazer. Sem “penas” e lamentações. Encarar África como um mercado com mais de 11,5 por cento da população mundial, pode ser um bom começo para criar e gerar riqueza nos cofres de investidores como nas populações. Basta para isso adoptar um sentimento de ética profissional que infelizmente está à muito desenraizado numa sociedade, cada vez mais centrada no próprio umbigo.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007 

Quais os custos económicos da legalização do aborto?

“O feto é propriedade de toda a sociedade e quem quer que seja que evite ter filhos não passa de uma desertora que abandona as leis de continuidade nacional”. Este discurso poderia levarmo-nos a pensar que se trataria de um sermão desnorteado e repleto de desinformação por parte de mais um padre numa “terriola” perdida no mapa de Portugal. Mas não. Este discurso foi proclamado por Nicolae Ceausescu, em 1966, um ano depois de se ter tornado ditador da Roménia e tornado o aborto ilegal

Parece-me que o debate sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) tem sido feito em redor de uma total desinformação e utilizando com particular incidência um sentimentalismo gratuito por parte dos defensores do Não. Tocando em pontos, e expondo ideias dos quais não têm qualquer conhecimento de base nem argumentos plausíveis. Recorrem unicamente a “larachas para inglês ver”. Dentro das inúmeras incoerências por parte dos partidários que defendem a Não despenalização da IVG, destaca-se a problemática, de que caso o Sim vença, o Estado cairá numa despesa incalculável, comprometendo-se a pagar cerca de 600 euros por aborto a todas as mulheres que o desejem fazer. Referem-se a esta situação como um mal e um fardo que a sociedade não pode pagar porque caso a nova lei vá avante, as mulheres (quase) que vão sentir uma imensa vontade de correr aos hospitais para abortarem, “passará a ser uma coisa tão normal como um telemóvel” refere incoerentemente o economista João César das Neves ao Diário de Notícias na edição “online” de 19 de Janeiro 2007.


Aborto vs Criminalidade

Será que existe alguma relação entre mais abortos e menos crime? Steven D.Levitt, um dos jovens economistas mais brilhantes dos EUA, no seu mais recente livro, Freakonomics – O estranho mundo da economia – relaciona de uma forma fantástica estas duas problemáticas. Diz ele, pegando novamente no exemplo da Roménia em 1966 que “as crianças nascidas após a proibição do aborto tinham mais probabilidades de se transformar em criminosos do que as crianças nascidas antes”. Esta afirmação tem como base estudos realizados noutro países da Europa do Leste e na Escandinávia que revelaram uma tendência semelhante. Na maioria destes casos, não era completamente proibido realizar o aborto mas para o fazer uma mulher tinha que obter uma autorização de um juiz para poder abortar. Os investigadores descobriram que nos casos em que era negada à mulher a autorização para abortar, era frequente que ela não recebesse bem o bebé e não lhe proporcionasse um bom ambiente familiar. Mesmo analisando por escalões de rendimento, idade, nível de educação e saúde da mãe, os investigadores concluíram que aquelas crianças tinham maiores probabilidades de vir a ser criminosos.

Porém, o mais impressionante é o que Levitt expõe sobre o impacto que a legalização do aborto teve na redução incrível da taxa de criminalidade nos EUA. Diz o economista que “no princípio dos anos 90, ao mesmo tempo que a primeira coorte de crianças nascidas depois da legalização do aborto e que entravam na idade na qual os jovens enveredam em pleno crime, a taxa de criminalidade começou a cair (...) a legalização do aborto conduziu a menos filhos não-desejados; e os filhos não-desejados levam a taxas de criminalidade elevadas”. Mesmo assim, revela que “esta teoria está destinada a provocar uma enorme variedade de reacções, desde a incredulidade passando pela rejeição até a uma grande variedade de objecções, desde o nível do quotidiano ao nível moral”.
Pode ser perturbante e até chocante pensarmos que estas duas variáveis poderão estar correlacionadas. Mas não será curioso que quer nos EUA quer em vários países da Europa de leste e do norte de Europa a correlação entre elas seja marcante?
Tomemos a realidade portuguesa e façamos algo semelhante ao que Levitt fez com dados dos EUA. Comecemos por colocar a seguinte questão:

Qual é o valor relativo entre um feto e um recém-nascido?

Naturalmente que se trata de apenas um exercício especulativo e obviamente que esta questão não tem uma resposta certa bem definida, mas este exercício pode ajudar a clarificar o impacto do aborto na criminalidade.
Tomemos uma pessoa que é absolutamente contra o aborto (como os movimentos pro-vida e que para este referendo estão do lado do Não) e outra que é absolutamente a favor do direito de escolha. Trata-se de um cálculo simples: a primeira, acreditando que a vida começa com a concepção, consideraria provavelmente que o valor de um recém-nascido contra o valor de um feto é de 1:1; a segunda pessoa, acreditando que o direito de uma mulher a abortar se sobrepõe a qualquer outro factor, defenderia provavelmente que não é possível estabelecer um número de fetos que se possa considerar equivalente a um recém-nascido. No entanto, consideremos uma terceira pessoa que, a título de exercício, é obrigada a atribuir um valor relativo e que decide que um recém-nascido tem um valor equivalente a cem fetos.

Segundo dados do Eurostat (departamento de análises estatísticas da União Europeia), a legalização da IVG resulta na triplicação do número de abortos (tomando como base a previsão quanto ao número de abortos ilegais aquando a lei punia a sua realização). O que é natural que ocorra numa situação de transposição de uma realidade ilegal, em que se desconhece em concreto o número de abortos ilegais praticados, para uma situação legal e com registos clarificados. Calculando-se que ocorra em Portugal perto de 20 mil abortos todos os anos, e outros 5 mil realizados por portuguesas além fronteiras, caso a lei seja proclamada o número de abortos irá ascender aos 75 mil. Para uma pessoa que acredita que 1 recém-nascido vale 100 fetos, esses 75 mil abortos vão traduzir-se – dividindo 75 mil por 100 – no equivalente a uma perda de 750 vidas humanas. Setecentas e cinquenta mil vidas humanas é, aproximadamente o mesmo número de pessoas que morrem, por ano, devido a homicídios em Portugal. Por isso, “até mesmo para alguém que considera que um feto só vale um centésimo do valor de um ser humano, o balanço entre uma maior incidência de abortos e uma diminuição da criminalidade é, do ponto de vista de um economista, muitíssimo eficiente” conclui Levit.

Fazendo as contas, chegamos à seguinte conclusão: os custos que o Estado poderá ter ao comprometer-se a pagar, pela totalidade, as despesas relativas a uma IVG (à volta dos 600 euros por intervenção) representam apenas 0,37%* do total de impostos que as 75 mil mulheres contribuem ao longo da sua vida activa. Afinal, que fardo imenso é este que a sociedade não pode pagar, quando o que uma operação deste género custa aos cofres do Estado representa menos que meio por cento do total de impostos que uma mulher desconta ao longo de uma vida de trabalho?!

Deste modo, o que a relação entre o aborto e a criminalidade nos mostra é o seguinte: quando o governo dá a uma mulher a oportunidade de tomar a sua própria decisão sobre o aborto, ela normalmente faz um bom juízo sobre se está em posição de criar uma criança em condições adequadas. Talvez esteja na altura de se começar a fazer uma campanha com o intuito de esclarecer a população, independentemente sse defenda a legalização ou não, é antes preciso que a mensagem que passe para a opinião pública seja a mais correcta e transparente e não se entre por caminhos sinuosos e se utilize o sentimentalismo mesquinho para cativar mais um voto. Porque, até hoje, apenas encontrei análises subjectivas, de ambas as partes, nos seus panfletos de campanha, não havendo a preocupação de qualquer uma delas em expor claramente a questão que irá encontrar no boletim de voto a 11 de Fevereiro:

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?



* 0s 0,37% resultam da seguinte operação: total de impostos que uma mulher paga ao estado durante a sua vida activa / custo total de um aborto, tomando como base o ordenado médio praticado em Portugal em 2006 de 800 euros, trabalhando 40 anos e sendo praticado uma carga de imposto, em 2006, de 36%.

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